terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O Niilismo de Nietzsche

O conceito de Niilismo tem dois significados. O primeiro e mais amplamente conhecido e o segundo, que é uma reinterpretação de Nietzsche. Niilismo, no conceito mais tradicional significa viver a vida sem valores superiores e absolutos. Ou seja, niilista é uma pessoa que não pauta suas escolhas e decisões ao longo da vida baseadas em um deus, em uma razão, em uma moral, uma fé, etc. 

Nietzsche, porém, dá um novo significado para a palavra. Para Nietzsche, niilista é justamente aquela pessoa que PAUTA suas decisões em nome de verdades superiores. Explicando melhor, Nietzsche considera que a única vida que temos acesso é a vida natural, a vida aqui na Terra. E o que é o niilista? É aquele que renuncia a essa vida, a essa única vida, em nome de mundos e promessas vazias e não palpáveis.

"Em nome do CÉU, se renuncia à TERRA".Essa é uma frase significativa do pensamento de Nietzsche, que resume o seu conceito de niilismo.

domingo, 28 de setembro de 2014

Nietzsche: "Aos milhares se ajoelharão no pó..."



A primeira grande influência de Nietzsche foi Artur Schopenhauer e seu livro "O Mundo como Vontade e Representação". Friedrich Nietzsche se formou em filologia e aos 25 anos se tornou professor na Universidade da Basileia. Por motivos de saúde, abandonou a cátedra na universidade para se dedicar ao seu destino, a filosofia. Iniciou uma série de viagens pela Europa, onde amadureceu sua filosofia, superou o pessimismo  de  Schopenhauer e rompeu com seu amigo Richard Wagner, a quem Nietzsche antes via como o representante de sua filosofia na música. Era apaixonado por uma jovem russa de 24 anos, Lou Salomè. Mas ela escolheu um aluno e amigo de Nietzsche, o que deixou marcas profundas no filósofo. Todos os seus livros foram bancados à própria custa e fizeram e fazem um enorme sucesso. Sucesso esse que Nietzsche não pôde presenciar, pois devido a uma doença venérea, enlouqueceu e terminou seus dias cuidado pela irmã. 

É certo que Nietzsche conhecia o seu destino:

"Eu conheço meu destino, o meu nome estará ligado a uma crise como jamais houve na história! Eu não sou homem, eu sou dinamite! Eu contradigo como ninguém contradiz..."

Seja conhecido erroneamente como o "filósofo do nazismo" ou também como o "profeta da crise secular do ocidente"  , Nietzsche é indigesto para a maioria das pessoas, mas é impossível passar pela história do pensamento do século XX, sem considerar sua filosofia.


O Apolíneo, o Dionisíaco e o problema de Socrates


Escultura de Dionisio
Partindo da leitura de Schopenhauer, Nietzsche também acreditava que a vida é cruel, irracional, dolorosa e destrutiva. E o único meio para vencer o pessimismo é a arte. Para Nietzsche, o modelo de vida e de sociedade estava na civilização grega pré-socrática. 

Segundo ele, nesse momento da história, o homem soube dizer SIM a vida em um sentido trágico. Nietzsche identifica duas tendências, duas faces do espírito humano presentes nessa época que se uniram em harmonia num milagre da vontade helênica. Esses dois espíritos são o Apolíneo e o Dionisíaco.

O Deus Apolo e suas formas perfeitas
O Dionisíaco, inspirado no deus grego Dionísio, é a força dos instintos, a saúde. É uma embriaguez criativa e uma paixão sensual representada pelo vinho. É o símbolo de uma humanidade em harmonia com a natureza e com o TODO, pois o ser humano necessita dessa conexão  e de se sentir uno com o outro e com o universo.

O Apolíneo, inspirado em Apolo, é representado pelo sonho, no qual se tenta ter algum controle sobre o mundo através da razão, onde se tenta dar uma forma ao mundo. Na arte pode-se traçar um paralelo com a escultura.

Porém, o equilíbrio entre o apolíneo e o dionisíaco foi rompido por Sócrates, com a pretensão de utilizar a razão para entender e controlar o mundo. A partir de Sócrates, o apolíneo se tornou soberano e gerou consequências terríveis até hoje, pois enjaulou um animal, cortou suas garras e o tronou fraco e doente.

Os Fatos são Estúpidos e a Saturação da História é um Perigo

Nietzsche ao estilo Andy Warhol
Em um período de exaltação da história e da ciência como formas de tornar o homem cada vez mais evoluído, Nietzsche critica o positivista Augusto Conte e outros. O define como autor de um evangelho de cervejaria. Um homem criado exatamente sob os moldes de Sócrates.

Nietzsche critica também a exaltação do fato. Para Nietzsche, a exaltação do fato é uma estupidez, uma vez que isolado do homem, de um observador, ele não diz nada sobre si mesmo. O que existe são somente interpretações e interações entre sujeito e objeto. 

Ele também olha para a história com incredulidade. Para Nietzsche, quem confia em excesso na história torna-se hesitante e fraco. E consequentemente vulnerável ao controle por parte de um governo, de uma política, de uma opinião pública ou de uma maioria numérica.


Para Nietzsche, existem três tipos de interpretações da História:

  • A História Monumental: É a história de quem procura no passado modelos e referências para atingir suas aspirações;
  • A História Antiquaria: É a história de quem vê o presente como produto necessário do passado, constituinte de um processo linear. Valoriza a tradição e os costumes como molde da realidade;
  • A História Crítica: É a história de quem olha para o passado com a atitude do juiz que analisa o passado friamente e condena os personagens, os acontecimentos e tudo o que é nocivo ao homem e aos seus valores. Essa é a história de Nietzsche.

O Afastamento em Relação a Wagner e Schopenhauer


Nietzsche e Schopenhauer


Existem dois tipos de pessimismo, segundo Nietzsche:

  • Pessimismo Romântico: É o pessimismo de quem renuncia a vida;
  • Pessimismo Trágico : É o pessimismo de quem diz SIM a vida, apesar de conhecer a sua dolorosa tragicidade.
Schopenhauer era um pessimista romântico. Renunciava à vida e era uma pessoa resignada, uma vítima da história.

Caricatura de Richard Wagner
Wagner foi uma grande decepção para Nietzsche. Ele via sua majestosa música com uma grande admiração. Quem já ouviu Wagner, sabe o impacto profundo de suas óperas, o sentimento de nobreza e de grandeza em suas melodias é emocionante. Por isso, Nietzsche enxergava Wagner como o representante de sua filosofia na música, a mais nobre arte.

Porém, ao longo do tempo, sua admiração foi convertida em repulsa. Afirmou depois que Wagner honra todo sentimento niilista, que adoece a música e tudo o que toca.

O afastamento em relação a Schopenhauer e Wagner significou o afastamento a todos as manifestações do romantismo e de suas "camuflagens metafísicas":

  • Idealismo: Que cria um mundo impossível de alcançar;
  • Positivismo: Que tenta moldar tudo: o mundo, o universo, a vida, o comportamento à pretensa luz da razão;
  • Redentorismo Socialista: Ilusão de que as massas poderiam revolucionar-se e tornar o mundo um lugar melhor;
  • Evolucionismo: Para Nietzsche, mais afirmado do que provado. A crítica de Nietzsche não está tanto no evolucionismo científico, mas no evolucionismo humano como comportamento, como processo de melhoria do homem.


O Anúncio da Morte de Deus


Nietzsche anuncia a morte de Deus. Ele condena e lamenta que o cristianismo tenha prevalecido sobre o mundo antigo, e com ele o NÃO a vida. Faz uma análise da história da moral tradicional e constata que a moral é uma construção dos fracos e oprimidos, ressentidos com a vida.

O que Nietzsche quer dizer com a morte de Deus é que com a revolução científica, o positivismo, o renascimento, a civilização abandonou Deus como regulador moral. Ou seja, a humanidade perdeu a confiança em Deus. Deixou de dar sentido ao mundo exclusivamente pela obediência a Deus. Se rebelou e procurou enxergar ao mundo a sua própria maneira. Isso é um fato notadamente comprovado, uma vez que o homem cada vez mais se afasta de Deus.

Porém, ao abandonar Deus, a civilização perdeu seu alicerce metafísico e ficou suscetível ao niilismo, ao nada, a negação da vida, assim como Schopenhauer.

Trecho de "Assim falava Zaratustra"



















Nietzsche vem anunciar através de Zaratustra, o modelo de novo homem que superará o cristianismo e o niilismo e se tornará o super-homem, o além-homem. Em alemão, übermensch.


O Anticristo, ou o Cristianismo como vício


O homem é responsável pela "morte de Deus" e do cristianismo. Nietzsche enxerga que esse acontecimento é um evento que liberta os homens da cadeia do sobrenatural que eles próprios haviam criado. 

Nietzsche passa pela história do cristianismo com seu olhar crítico e faz uma distinção importante entre Jesus Cristo e o cristianismo. Um ponto extremamente interessante e misterioso é que Nietzsche nutria profunda admiração por Jesus Cristo:

"Cristo não tinha mais necessidade de fórmulas, de ritos para comunicar-se com Deus, nem mesmo da prece. Acabou com toda doutrina judaica de penitência e reconciliação, sabe que somente com a prática da vida o homem se sente "divino", "abençoado", "evangélico", em qualquer momento um "filho de Deus." "Penitência', "oração" e "absolvição" não são o caminho para Deus: somente a prática evangélica conduz a Deus, ela é propriamente "Deus"! O que foi destronado do Evangelho foi o judaísmo dos conceitos de "pecado", "absolvição dos pecados", "fé", "redenção dos pecados", toda doutrina da igreja judaica foi negada na "boa nova".
 Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo"


 "[...]Apesar disso gostaria de saber o quanto, num balanço geral, devemos relevar num povo( judeu) que, não sem a culpa de todos nós, teve a mais sofrida história entre todos os povos, e ao qual devemos o mais nobre dos homens, Jesus Cristo[...]"
Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano" 



Para Nietzsche, Jesus era um espírito livre, e morreu para mostrar como se deve viver. Porém, com Cristo também morreu o seu evangelho, que foi transformado em "cristianismo", ou seja, em ódio e vingança contra tudo o que é nobre.

Nietzsche chama Paulo, que é o maior responsável pela difusão do cristianismo e de suas leis morais, de "o apóstolo da vingança". Um personagem que Nietzsche também admirava na bíblia era Poncio Pilatos, por compartilhar com ele o ceticismo em relação a verdade.

O que a maioria das pessoas desconhece sobre Lutero 
é que ele era um anti-semita convicto. 
Em seu livro, "Dos judeus e suas mentiras",
 Lutero defende que as sinagogas sejam 
queimadas e os judeus expulsos da Alemanha e da Europa. 
 Além disso, apoiou um massacre contra camponeses, 
que reivindicavam melhores condições de vida. 

Para Nietzsche, o cristianismo transforma em pecado tudo o que é força e prazer na Terra. É a construção e a vitória do RESSENTIMENTO.

Com a Renascença, o Sacrossanto Império Romano-Germânico viu a ascensão de Cesar Borgia ao poder na Igreja e com ele a transformação do que Lutero mais tarde considerou como a corrupção do cristianismo. Mas para Nietzsche, esse foi um pequeno momento de superação do verdadeiro pecado original: o cristianismo.

Porém, Lutero, a quem Nietzsche chama de " padre frustrado cheio de ódio e vingança dentro do peito" trouxe de volta o cristianismo com sua Reforma Protestante.





A Genealogia Da Moral


Nietzsche questiona o porque dos valores até então considerados "bons" e "maus" não tenham sido submetidos a dúvida e a uma análise mais profunda. Ao pesquisar e estudar toda a história da humanidade e da construção dos valores que regem a sociedade, Nietzsche identifica dois tipos de moral:


  • Moral dos Senhores: É uma moral construída afirmativamente com base na força, na saúde e no amor a vida

  • Moral dos Escravos: A moral dos escravos é baseada no RESSENTIMENTO  em relação aos senhores. É uma moral de negação do que foi construído pelos senhores. Não constrói nada, apenas nega a moral dos senhores. Eleva à categoria de bom comportamento o desinteresse, o sacrifício de si mesmo e a submissão

Para Nietzsche, a moral que predomina é a Moral dos Escravos, que torna o homem culpado e fraco.


Niilismo, "eterno retorno" e "amor fati"


O niilismo é um produto necessário do cristianismo, da moral dos escravos e da busca pela verdade na filosofia. Em primeiro lugar, o niilismo acontece quando se procura um sentido em todas as coisas, como por exemplo, o amor. Sentido esse que não existe. É apenas uma ilusão que desaparece com o passar do tempo.

Em segundo lugar, o cosmos, o universo, a vida não têm uma estrutura definida. Não há um começo. Não há uma finalidade na existência. O homem não caminha a lugar nenhum. No final, só há o abismo das trevas, do nada.


Porém, existe uma necessidade em todo homem. A necessidade da vontade. Vontade de aceitar a si próprio e de repetir-se. É o eterno retorno. Tudo o que acontece hoje, já aconteceu nas gerações passadas. As mesmas dúvidas, os mesmos medos, os mesmos amores...


A isso, Nietzsche vincula a doutrina do amor fati: Ame o necessário... Aceite-o e o ame!

O Super-Homem é o sentido da Terra


O amor fati é a aceitação do eterno retorno. Mas não é a aceitação do homem. A missão do homem é preparar o caminho para o super-homem, o além-homem. O Super-Homem irá criar o novo sentido da terra. Irá resgatar o espírito dionisíaco. Os seus valores são a saúde, a vontade forte, o amor, a embriaguez dionisíaca e um novo orgulho.

"O Homem é uma corda estendida sobre o abismo do nada. Atrás de si, a besta, e a sua frente, o super-homem"




sábado, 20 de setembro de 2014

Galileu, Descartes e a elaboração do princípio da inércia

Adaptado da Revista Brasileira de Física.

  


As leis do movimento perecem naturais e até triviais hoje em dia. Mas por trás desses conceitos simples, há uma longa história de mudança de pensamento e de quebra de paradigmas. E essa história foi conduzida ao longo de centenas de anos, por mentes brilhantes, que foram capazes de abandonar o que seus sentidos diziam para enxergar o mundo à luz da razão. Galileu é um desses nomes, e um do principais conceitos associados a ele é o princípio da inércia. Mas dificilmente Galileu teria desenvolvido esse conceito, não fosse a contribuição e o pensamento de outras grandes figuras da humanidade.

A Física Aristotélica e a Crítica Nominalista

O Universo aristotélico era constituído de uma esfera cujo centro era a Terra e na qual as estrelas se mantinham. A matéria era dividida em supralunar(imutável) e sublunar(mutável), constituída de terra, água, ar e fogo. Esses quatro elementos possuíam uma ordem decrescente de importância ou peso. Assim, a terra, por ser mais pesada, tendia a ocupar o centro do universo.

O movimento aristotélico era dividido em  natural e anti-natural. O movimento natural é entendido como causa de si mesmo. Assim, um objeto qualquer lançado verticalmente, tendia a retornar, por ser constituído de terra.

O movimento anti-natural é aquele causado por uma força externa ao objeto. Porém, na ausência dessa força, o objeto retornaria ao seu movimento natural. Aristóteles, a principio, não sabia explicar a continuidade do movimento, e atribuiu a isso à força exercida pelo ar.

Esse era o ponto fraco da física de Aristóteles e foi duramente criticado no fim da Idade Média. Guilherme de Ockham, monge franciscano, defendia que a partir do momento que o lançador perde o contato com o objeto, deixa de ser a causa do seu movimento. Com relação a hipótese de Aristóteles de que o ar seria responsável pela continuidade do movimento, Guilherme dizia que isso seria impossível, bastando observar o choque de objetos em direções opostas. Propôs então, que um corpo em movimento se move por simples continuidade de movimento.

A filosofia de Guilherme de Ockham serviu de base para que Jean Buridan, mais tarde, na Universidade de Paris, formulasse a ideia de que, no ato do lançamento, o lançador imprime no objeto lançado algo que ele chamou de "virtude", e que seria uma tendência a continuar o movimento inicial. Essa tendência adquirida pelo objeto, denominada "impetus" seria responsável pela continuidade do seu movimento, e que a gravidade e a resistência do ar destruiriam esse "impetus".




A hipótese heliocêntrica de Copérnico e o conflito com a física de Aristóteles

Ao propor um sistema heliocêntrico, Copérnico atingiu o cerne da física aristotélica. O movimento, que era explicado em grande parte, pela tendência dos objetos terrestres a ocuparem o centro do universo não fazia mais sentido. Os aristotélicos argumentavam que uma Terra em movimento, produziria efeitos desastrosos e inexplicáveis, como corpos arremessados no espaço. Copérnico argumentou então, que o movimento natural da Terra era girar, se apropriando da definição aristotélica, assim como os objetos em sua vizinhança, pois possuíam a mesma essência do planeta. Copérnico, portanto forneceu uma explicão metafísica ao sistema terrestre.




A introdução do conceito de sistema mecânico com Giordano Bruno


Giordano Bruno comparrtilhava da visão heliocêntrica de Copêrnico, porém explicava os questionamentos aristotélicos, não por uma afinidade dos corpos terrestres, mas sim por causas puramente mecânicas. Para Bruno, o deslocamento de um corpo dependia do sistema ao qual este está inserido e também no "impetus".

Galileu

Galileu primeiramente adotou a idéia de que os movimentos de um corpo não são perceptíveis por qualquer outro corpo que o compartilhe. E depois incorporou o conceito da relatividade do movimento

Analisando o problema do lançamento vertical de um corpo, Galileu difere de Giordano Bruno por um elemento decisivo. Os corpos em queda mantinham o movimento não porque recebiam um impetus, mas porque esse movimento persistia inerciavelmente.

Em seu livro Dialogos , Galileu traz um argumento muito forte acerca da inércia, ao relatar o movimento de uma esfera perfeitamente lisa e esférica sobre um plano inclinado também perfeitamente liso. Utilizando esse exemplo, Galileu demonstrou que a tendência de um corpo, sem aclives ou declives, seja em repouso ou em movimento é de permanecer em seu estado inicial.

Porém, aparentemente, Galileu não foi capaz de conceber abstratamente a eliminação da gravidade, porque para ele esta ainda constituía uma tendência do corpo e não algo que atuasse sobre ele a partir de fora.

Descartes


Descartes situou o princípio da inercia, tal como o concebemos hoje. Para Descartes, a matéria possuía apenas um atributo, a extensão. A matéria era desprovida de atributos qualitativos e ficava, portanto, definitivamente eliminada a ideia de tendencias inerente aos corpos, capazes de determinar o curso dos fenômenos. No universo cartesiano, os fenômenos materiais eram ditados exclusivamente por causas mecânicas: as colisões entre os corpos. Nas palavras de Koyré, a física cartesiana é a física das colisões, enquanto a física de Galileu é a física da gravidade e a de Newton será a da força.

Decartes também reformula o conceito de movimento:

"Cada coisa permanece no seu estado, se nada o alterar; assim, aquilo que uma vez foi posto em movimento continuará sempre a mover-se."

Assim o o movimento-estado de Descartes não  possui nada em comum com o movimento-processo de Aristóteles e da Escolástica. No mundo-extensão de Descartes, o movimento se mantém, evidentemente, por ele mesmo, e prossegue indefinidamente no infinito do espaço plenamente geometrizado que a filosofia cartesiana abriu diante dele.

Aquilo que para o sistema aristotélico era absurdo, a continuidade indefinida do movimento, desprovida de qualquer fim pré-determinado, se torna uma realidade no pensamento cartesiano. O desenvolvimento da física nascente exigiu como seu correlato a completa superação da filosofia aristotélica.


Conclusão



A formação da ideia de inércia exigiu uma completa reformulação do pensamento humano, com o abandono da visão de mundo aristotélica, caracterizada exatamente por sua integração a um sistema de pensamento extremamente abrangente e articulado. A revolução astronômica, desencadeada por Copérnico, se propagou de maneira irresistível para os demais ramos do conhecimento científico, promovendo o desmonte da ciência aristotélica.




domingo, 3 de agosto de 2014

O Mito Revisto pela Ciência.



Normalmente, a mitologia é tratada apenas como histórias fantásticas contadas por povos antigos e  primitivos, desprovidos da nossa Gaia Ciência. Muitos desconhecem a importância que esses mitos tiveram na formação da humanidade. Os mitos foram criados na Antiguidade para explicar os fenômenos da natureza, para lidar com as dúvidas crescentes da alma humana, a medida que esta tomava mais e mais consciência do seu lugar no mundo.

E uma das coisas mais impressionantes sobre os mitos, não importa em qual cultura, em qual base religiosa, há uma impressionante semelhança entre eles, vários pontos em comum, apesar de terem sido formados em lugares e épocas diferentes.

O dilúvio, por exemplo, retratado na bíblia e constituinte da cultura judaica está presente em diversas outras culturas. Estima-se que haja mais de 500 versões do diluvio, espalhadas por todos os cantos do mundo, em tribos extremamente remotas e em gigantes culturas, como na China, Babilônia, País de Gales, Rússia, Índia, América, Hawaii, Escandinávia, Sumatra, Peru e Polinésia. 

Outro aspecto em comum é a condenação do homem pela desobediência aos deuses. Desobediência essa, trazida pela mulher. Assim como Eva e a maçã, a cultura mítica de vários povos têm seus personagens para representar a dor e o sofrimento humano, além da morte, é claro. A mitologia grega, por exemplo, nos conta que Prometeu, o criador da humanidade, roubou o fogo do Olimpo, para dar ao homem. O fogo representava a inteligência para construir moradas, defesas e, a partir disso, forçar a criação de leis para a vida em comum. Surge assim a política para que os homens vivam coletivamente, se defendam de feras e inimigos externos, bem como desenvolvam todas as técnicas. Este ato enfureceu Zeus, o deus dos deuses, que planejou sua vingança. Para isso, pediu a Hefestos que modelasse a mais bela mulher a partir de argila, pediu as deusas que a enfeitassem, e soprou o vento da vida em seu corpo. O seu nome era Pandora, e Zeus a deu de presente para o irmão de Prometeu, Epimeteu. Ele, no entanto, alertou seu irmão para que não aceitasse Pandora, e não permitisse que ela abrisse a caixa, da qual fora presenteada.

Ainda mais furioso, Zeus acorrentou Prometeu a um monte e lhe impôs um castigo doloroso, em que uma ave de rapina devoraria seu fígado durante o dia e, à noite, o fígado cresceria novamente para que no outro dia fosse outra vez devorado, e assim por toda eternidade.

No entanto, para disfarçar sua crueldade, Zeus espalhou um boato de que Prometeu tinha sido convidado ao Olimpo, por Atena, para um caso de amor secreto. Com isso, Epimeteu, temendo o destino de seu irmão, casou-se com Pandora.  Ela, desobedecendo Prometeu, abriu a caixa enviada como presente , espalhou todas as desgraças sobre a humanidade (o trabalho, a velhice, a doença, as pragas, os vícios, a mentira, a morte, etc.), restando dentro dela somente a esperança, com o seu angustiante significado ambíguo, pois pode tanto representar a vida em sua totalidade, como também o prolongamento do sofrimento de viver, perpetuado ao longo de gerações por essa mesma esperança.

O mais impressionante, no entanto, é que ao longo da escalada humana  rumo a um conhecimento científico verdadeiro amparado pela razão, que já dura mais ou menos 400 anos, várias descobertas que impactaram a história e que foram estudadas, pesquisadas e revisadas chegam a uma assombrosa semelhança com os mitos da criação da antiguidade!!!!!!!!

A questão é tão séria que em agosto de 2013, nos dias 29 e 30 de agosto, aconteceu no Rio de Janeiro a conferência Mitos Cosmogônicos em que físicos, cosmólogos, antropólogos, filósofos, mitólogos e psicanalistas se reuniram para examinar, à luz do conhecimento atual dessas áreas, as diferentes versões da criação do mundo e outras questões.

O Big Bang, por exemplo, que é a teoria mais aceita da origem do universo, diz que tudo o que existe, inclusive o tempo, foi criado a partir de um único ponto, menor do que  a cabeça de um alfinete, ou seja, infinitamente pequeno e infinitamente denso, que colapsou, e se expandiu desde então. Isto está perfeitamente de acordo com a criação a partir do nada do mito da criação no cristianismo e do judaísmo, por exemplo. Além disso, está de acordo também com a filosofia de Agostinho de Hipona, de que Deus está situado fora do tempo.

Outro paralelo que se pode traçar é da origem da matéria, dos elementos químicos dos quais somos formados. A ciência diz que todos os elementos conhecidos são formados nas estrelas, começando pelo hidrogênio, que à alta pressão e calor, por fusão nuclear, é convertido em hélio e assim por diante. Isso até que, seja produzido ferro no núcleo da estrela, fazendo com que a gigante exploda sobre sua própria grandeza, dando origem a uma supernova, que fornece a energia suficiente para formar os elementos mais pesados. A CIÊNCIA DIZ QUE SOMOS POEIRA DE ESTRELAS!!!  Ora, isso pode perfeitamente ser adequado ao mito cristão, de que somos feitos do pó("Do pó viemos e ao pó tornaremos.") e a mitologia grega, que diz que fomos feitos de barro!!!!!! 

Existem diversas teorias tentando explicar essas semelhanças, como a de Carl Jung, que acredita que isso é produto do subconsciente coletivo. Mas apesar das teorias, o que mais me chama a atenção é que, em meio a um mundo confuso, cheio de sofrimento, morte e principalmente dúvida, essa semelhança acende uma luz de esperança de que há uma ordem, uma explicação, um Deus por trás do véu de mistério e angústia que envolve nosso universo. E mais uma vez, retornamos a dúvida da Caixa de Pandora: Será a esperança boa ou má?

















sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Grandes Diretores ao Longo da História e Minhas Impressões Sobre Eles - Fritz Lang


Biografia

Filho de um construtor, Friedrich Christian Anton Lang cursou a faculdade de arquitetura, na Universidade de Viena. Depois de viajar e trabalhar em diversos países da Europa, Ásia e norte da África, entre 1919 e 1914, Lang estabeleceu-se em Paris e começou a trabalhar como pintor.

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Lang tornou-se oficial do exército austro-húngaro. Ferido em combate, em 1916, passou a criar roteiros para cinema, principalmente de filmes de terror e de suspense.

Com o fim da guerra, mudou-se para Berlim para trabalhar com o produtor Erich Pommer. Em 1919, foi lançado o filme "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Wiene, cujo roteiro foi parcialmente escrito por Lang.


Entre 1919 e 1920, Lang lançou uma série de filmes intitulados "Die Spinnen", que o tornaram conhecido. O cineasta deu início ao expressionismo alemão, uma estética que dá vazão às reações subjetivas, criadas por objetos e cenários de grande intensidade visual, explorando as distorções e o uso do preto-e-branco.

Sombras e Horror

Fritz Lang iniciou sua carreira cinematográfica no período entre guerras. Nesse momento da história alemã, o povo e a cultura se sentiam humilhados e derrotados pela Primeira Guerra Mundial. Na tentativa de resgatar a supremacia cultural e o orgulho alemão, uma corrente de filmes surgiu, principalmente na República de Weimar, tendo como característica artística o expressionismo.

Pode-se dizer que Fritz Lang é o personagem principal do Expressionismo alemão, com filmes memoráveis e de alcance ilimitado. Seguindo a linha expressionista, seus filmes buscam criar um ambiente em que a realidade possa ser compreendida individualmente. Assim, seus filmes são uma experiência única para cada pessoa, permitindo múltiplas interpretações, dependendo de como o expectador lida com o mundo. Diga-se de passagem, não é uma coisa muito fácil de se fazer,pois é preciso estar em contato com diversos tipos de realidade e de mundos; sintetizar tudo isso e criar uma obra que faça brotar diversas reflexões e considerações. 

Os filmes expressionistas são marcados pela distorção das imagens, pela falta de proporção, pelo uso criativo e único de sombras. No expressionismo, talvez esteja implícita a ideia de que não existe uma realidade em si mesma, que componha um todo, e sim que o mundo ao nosso redor, o que acreditamos como sendo imutável, apenas seja um conjunto de experiências processados de forma singular. Assim sendo, não é possível ao homem ter uma visão total da realidade, e sim, apenas de alguns pedaços dela.


Além disso, Fritz Lang buscava mostrar aspectos trises de alguns mecanismos da sociedade, com um certo pessimismo, refletindo de certa forma, a época conturbada em que vivia. A primeira grande distopia retratada no cinema, Metropolis, foi feita por Fritz Lang. Uma obra genialmente dirigida, tratando de aspectos sociais da época e projetando numa sociedade futurista , as consequências do "progresso humano".



O estilo de Fritz Lang segue essa linha artística, recheado por questionamentos sociais e também a respeito da natureza humana. São diversas obras magníficas, que valem a pena serem vistas, por ainda serem atuais, além de muito ricas cenicamente.






sábado, 26 de julho de 2014

Grandes Diretores ao Longo da História e Minhas Impressões Sobre Eles - Charlie Chaplin


Biografia

Charles Spencer Chaplin nasceu em 16 de abril de 1889, em Walwroth no Reino Unido. Seus pais trabalhavam no teatro inglês e levavam uma vida humilde, o que não impediu Charlie de se apaixonar pelo mundo artístico. Começou sua carreira artística ainda na Inglaterra, quando fez pequenas participações no teatro, ainda criança. Chaplin teve uma infância difícil, em que viu o divórcio dos pais ser seguido por alcoolismo, por parte do pai, e doença, por parte da mãe. Após muita dificuldade, o jovem conseguiu espaço para se apresentar no Music Hall, dando início a sua trajetória de sucesso. Viveu tempos conturbados, como as duas Grandes Guerras e a crise de 29 nos Estados Unidos.

Em 1910, parte para uma turnê nos Estados Unidos, onde fica por dois anos. Volta para a Inglaterra em 1912, mas pouco depois decide ficar definitivamente na América. Após uma série de apresentações com a Companhia de Karno, chama a atenção de Mack Sennett, da Keystone Film Company, que o contrata para o filme Making a Living. O primeiro trabalho no cinema não foi muito satisfatório, mas Sennett acaba lhe dando uma nova chance. Na sequência, é dirigido por Mabel Normand em alguns filmes, mas logo decide assumir também a cadeira de diretor. Entre 1914 e 1916, realizou mais de 40 curtas, com destaque para O Vagabundo, em que incorporava o personagem que marcaria sua carreira, o "Carlitos".

Na pele do pobre andarilho de chapéu-coco e bengala de bambu, Chaplin começou a encantar o mundo do cinema e a conquistar muito mais espaço no imaginário da população mundial. O ator virou a cara do Cinema Mudo e pouco depois estava recebendo valores jamais imaginados para um artista. Sua fama era tanta que se tornou o primeiro ator a aparecer na capa da revista Time, em 6 de julho de 1925.

Sempre foi conhecido por seu perfeccionismo e incomodava muita gente por querer rodar a mesma tomada dezenas de vezes. Chegou, inclusive, a destruir os negativos de The Sea Gull (1933), antes mesmo de seu lançamento, por ter ficado decepcionado com o desempenho da protagonista Edna Purviance.
Após trabalhar com algumas produtoras como Essanay Studios, Mutual Film e First National, para quem realizou O Garoto (1921), Charles Chaplin decidiu fundar seu próprio estúdio. Junto com Mary Pickford, Douglas Fairbanks e D.W. Griffith, fundou a United Artists, quando adquiriu controle total da produção de suas obras. Lá, realizou clássicos como Em Busca do Ouro (1925) e O Circo (1928), e não se abalou nem mesmo com a chegada do cinema falado. Nos anos seguintes, realizou clássicos como Luzes da Cidade (1931) e Tempos Modernos (1936). Neste último, foi possível ouvir sua voz pela primeira vez, embora apenas nos créditos finais, que eram acompanhados da canção “Smile”.

Adere ao cinema falado em 1940, com O Grande Ditador, em que realiza um belo discurso final. Lançamento em meio a Segunda Guerra Mundial, o longa fez muito sucesso. Boatos davam conta, inclusive, de que o próprio Adolf Hitler assistia secretamente a obra na Alemanha.

Chaplin trabalhou como ator, diretor, produtor, roteirista, montador, compositor, diretor de fotografia e regente da orquestra. Sempre teve uma posição política de esquerda, o que desagradou o governo norte-americano durante a Guerra Fria. Foi inserido na Lista Negra de Hollywood por J. Edgar Hoover, que aproveitou uma viagem do artista para a Inglaterra para promover Luzes da Ribalta (1952), para revogar seu visto e impedi-lo de regressar aos Estados Unidos. Decidiu então permanecer na Europa, passando a morar em Vevey, na Suíça. Seu último filme foi A Condessa de Hong Kong (1967), estrelado por Marlon Brando e Sophia Loren.

Um dos momentos mais aguardados e que causou comoção na entrega dos prêmios em 1972 foi a presença de Charles Chaplin para receber um Oscar especial pelo conjunto da obra. "Palavras são tão fúteis, tão frágeis. Gostaria apenas de dizer obrigado pela honra do convite", discursou. Nos bastidores, Chaplin declarou a um repórter: "Fiquei muito honrado, mas devo admitir que comecei a fazer cinema por dinheiro. A arte veio depois, naturalmente. Nada posso fazer se as pessoas se decepcionam com essa afirmação. É a pura verdade". Morreu de causas naturais no natal de 1977. Em 3 de março de 1978 seu corpo foi roubado do cemitério onde estava, tendo sido encontrado pela polícia em 18 de maio do mesmo ano. Possui uma estrela na Calçada da Fama, localizada em 6751 Hollywood Boulevard.

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Chaplin: From Gold to Love


Charlie Chaplin foi um artista brilhante, de infinitos talentos e qualidades. Participava de todo o processo de criação e produção de um filme. Transitava em todos os ramos artísticos com excelência, na interpretação, na direção, na música, na dança ... um artista completo! É muito divertido e gostoso assistir um filme de Charlie Chaplin, não importando o tema de seus trabalhos, ele conseguia ser engraçado tratando de aspectos tristes da condição social, da exploração, da tirania, da pobreza entre outros. 

Talvez em Gold Rush, Chaplin tenha apresentado a luta e o sonho da felicidade, com suas imensas dificuldades e tristeza, que ele próprio passou na Inglaterra. O ouro, talvez represente o seu próprio sonho dourado de felicidade, compartilhado por todos, que assim como Chaplin, são condicionados a direcionar sua força vital à riqueza e o sucesso, restringindo sua visão de mundo, sufocando toda a vontade de potência a um aspecto vazio.



Em Tempos Modernos, Chaplin parece ter entendido isso, tendo desenvolvido sua análise da sociedade e do sistema capitalista. Ele retratou com inigualável brilhantismo e humor a situação do proletariado, em suas condições totalmente alienantes e paupérrimas. No início da era da linha de produção, desenvolvida por Ford e Taylor, o antagonismo e a diferença entre a classe abastada e o restante da população se tornou muito acentuado. A exploração era evidente. O indivíduo foi substituído por uma massa humana sem face, totalmente desprovida de sua essência , submetida a um trabalho repetitivo, massante, que transformava as pessoas em pouco mais do que animais. É natural, e amplamente aceito que a história da humanidade é uma história de progresso, e que estamos em sua melhor fase, ou seja, que vivemos no melhor dos mundos possíveis, como acreditava Leibniz. Isso está enraizado nos cérebros da maioria da população, e esse conceito se desenvolve ao longo da formação do homem, principalmente na escola. Falta, ao sistema educacional, levantar esses questionamentos. Mas o sistema educacional em si, em sua maioria, não passa de uma fábrica de mentes bitoladas e vazias. Fato é que, em minha visão, a história da humanidade não é uma história de progresso. Na verdade, a estrutura sempre foi a mesma. As diversas tecnologias, porém, nos fazem intuitivamente pensar o contrário. A exploração extremamente acentuada que Chaplin mostrou em Tempos Modernos, foi amenizada ao longo do tempo em alguns países, e diversos benefícios foram concedidos para mascarar a situação real. É verdade também, que em alguns países, a exploração retratada em Tempos Modernos ainda continua, senão pior. Grandes marcas famosas exploram a mão de obra de países subdesenvolvidos, até mesmo de crianças, que aceitam em troca de esmola, pra escaparem da fome. O filme de Chaplin continua atual, ainda que para ver isso, seja necessário um pouco de esforço. O Sistema da Ditadura do Sistema Capitalista, ao invés da violência, usa o entorpecimento mental pra manter a ordem vigente. 

"Ignorância é Força"
George Orwel, 1984


Em meio a um mundo confuso e cheio de sofrimento, um amor puro e sincero pode mudar tudo. Em Luzes da Cidade, que para mim é a melhor comédia romântica de todos os tempos, Chaplin mostra como o amor pode transformar um homem e potencializar suas qualidades. Mostra também, como o amor é definido a priori pela sociedade, como um sentimento é transformado, regularizado e definido, esquecendo-se suas nuances mais profundas.