domingo, 28 de setembro de 2014

Nietzsche: "Aos milhares se ajoelharão no pó..."



A primeira grande influência de Nietzsche foi Artur Schopenhauer e seu livro "O Mundo como Vontade e Representação". Friedrich Nietzsche se formou em filologia e aos 25 anos se tornou professor na Universidade da Basileia. Por motivos de saúde, abandonou a cátedra na universidade para se dedicar ao seu destino, a filosofia. Iniciou uma série de viagens pela Europa, onde amadureceu sua filosofia, superou o pessimismo  de  Schopenhauer e rompeu com seu amigo Richard Wagner, a quem Nietzsche antes via como o representante de sua filosofia na música. Era apaixonado por uma jovem russa de 24 anos, Lou Salomè. Mas ela escolheu um aluno e amigo de Nietzsche, o que deixou marcas profundas no filósofo. Todos os seus livros foram bancados à própria custa e fizeram e fazem um enorme sucesso. Sucesso esse que Nietzsche não pôde presenciar, pois devido a uma doença venérea, enlouqueceu e terminou seus dias cuidado pela irmã. 

É certo que Nietzsche conhecia o seu destino:

"Eu conheço meu destino, o meu nome estará ligado a uma crise como jamais houve na história! Eu não sou homem, eu sou dinamite! Eu contradigo como ninguém contradiz..."

Seja conhecido erroneamente como o "filósofo do nazismo" ou também como o "profeta da crise secular do ocidente"  , Nietzsche é indigesto para a maioria das pessoas, mas é impossível passar pela história do pensamento do século XX, sem considerar sua filosofia.


O Apolíneo, o Dionisíaco e o problema de Socrates


Escultura de Dionisio
Partindo da leitura de Schopenhauer, Nietzsche também acreditava que a vida é cruel, irracional, dolorosa e destrutiva. E o único meio para vencer o pessimismo é a arte. Para Nietzsche, o modelo de vida e de sociedade estava na civilização grega pré-socrática. 

Segundo ele, nesse momento da história, o homem soube dizer SIM a vida em um sentido trágico. Nietzsche identifica duas tendências, duas faces do espírito humano presentes nessa época que se uniram em harmonia num milagre da vontade helênica. Esses dois espíritos são o Apolíneo e o Dionisíaco.

O Deus Apolo e suas formas perfeitas
O Dionisíaco, inspirado no deus grego Dionísio, é a força dos instintos, a saúde. É uma embriaguez criativa e uma paixão sensual representada pelo vinho. É o símbolo de uma humanidade em harmonia com a natureza e com o TODO, pois o ser humano necessita dessa conexão  e de se sentir uno com o outro e com o universo.

O Apolíneo, inspirado em Apolo, é representado pelo sonho, no qual se tenta ter algum controle sobre o mundo através da razão, onde se tenta dar uma forma ao mundo. Na arte pode-se traçar um paralelo com a escultura.

Porém, o equilíbrio entre o apolíneo e o dionisíaco foi rompido por Sócrates, com a pretensão de utilizar a razão para entender e controlar o mundo. A partir de Sócrates, o apolíneo se tornou soberano e gerou consequências terríveis até hoje, pois enjaulou um animal, cortou suas garras e o tronou fraco e doente.

Os Fatos são Estúpidos e a Saturação da História é um Perigo

Nietzsche ao estilo Andy Warhol
Em um período de exaltação da história e da ciência como formas de tornar o homem cada vez mais evoluído, Nietzsche critica o positivista Augusto Conte e outros. O define como autor de um evangelho de cervejaria. Um homem criado exatamente sob os moldes de Sócrates.

Nietzsche critica também a exaltação do fato. Para Nietzsche, a exaltação do fato é uma estupidez, uma vez que isolado do homem, de um observador, ele não diz nada sobre si mesmo. O que existe são somente interpretações e interações entre sujeito e objeto. 

Ele também olha para a história com incredulidade. Para Nietzsche, quem confia em excesso na história torna-se hesitante e fraco. E consequentemente vulnerável ao controle por parte de um governo, de uma política, de uma opinião pública ou de uma maioria numérica.


Para Nietzsche, existem três tipos de interpretações da História:

  • A História Monumental: É a história de quem procura no passado modelos e referências para atingir suas aspirações;
  • A História Antiquaria: É a história de quem vê o presente como produto necessário do passado, constituinte de um processo linear. Valoriza a tradição e os costumes como molde da realidade;
  • A História Crítica: É a história de quem olha para o passado com a atitude do juiz que analisa o passado friamente e condena os personagens, os acontecimentos e tudo o que é nocivo ao homem e aos seus valores. Essa é a história de Nietzsche.

O Afastamento em Relação a Wagner e Schopenhauer


Nietzsche e Schopenhauer


Existem dois tipos de pessimismo, segundo Nietzsche:

  • Pessimismo Romântico: É o pessimismo de quem renuncia a vida;
  • Pessimismo Trágico : É o pessimismo de quem diz SIM a vida, apesar de conhecer a sua dolorosa tragicidade.
Schopenhauer era um pessimista romântico. Renunciava à vida e era uma pessoa resignada, uma vítima da história.

Caricatura de Richard Wagner
Wagner foi uma grande decepção para Nietzsche. Ele via sua majestosa música com uma grande admiração. Quem já ouviu Wagner, sabe o impacto profundo de suas óperas, o sentimento de nobreza e de grandeza em suas melodias é emocionante. Por isso, Nietzsche enxergava Wagner como o representante de sua filosofia na música, a mais nobre arte.

Porém, ao longo do tempo, sua admiração foi convertida em repulsa. Afirmou depois que Wagner honra todo sentimento niilista, que adoece a música e tudo o que toca.

O afastamento em relação a Schopenhauer e Wagner significou o afastamento a todos as manifestações do romantismo e de suas "camuflagens metafísicas":

  • Idealismo: Que cria um mundo impossível de alcançar;
  • Positivismo: Que tenta moldar tudo: o mundo, o universo, a vida, o comportamento à pretensa luz da razão;
  • Redentorismo Socialista: Ilusão de que as massas poderiam revolucionar-se e tornar o mundo um lugar melhor;
  • Evolucionismo: Para Nietzsche, mais afirmado do que provado. A crítica de Nietzsche não está tanto no evolucionismo científico, mas no evolucionismo humano como comportamento, como processo de melhoria do homem.


O Anúncio da Morte de Deus


Nietzsche anuncia a morte de Deus. Ele condena e lamenta que o cristianismo tenha prevalecido sobre o mundo antigo, e com ele o NÃO a vida. Faz uma análise da história da moral tradicional e constata que a moral é uma construção dos fracos e oprimidos, ressentidos com a vida.

O que Nietzsche quer dizer com a morte de Deus é que com a revolução científica, o positivismo, o renascimento, a civilização abandonou Deus como regulador moral. Ou seja, a humanidade perdeu a confiança em Deus. Deixou de dar sentido ao mundo exclusivamente pela obediência a Deus. Se rebelou e procurou enxergar ao mundo a sua própria maneira. Isso é um fato notadamente comprovado, uma vez que o homem cada vez mais se afasta de Deus.

Porém, ao abandonar Deus, a civilização perdeu seu alicerce metafísico e ficou suscetível ao niilismo, ao nada, a negação da vida, assim como Schopenhauer.

Trecho de "Assim falava Zaratustra"



















Nietzsche vem anunciar através de Zaratustra, o modelo de novo homem que superará o cristianismo e o niilismo e se tornará o super-homem, o além-homem. Em alemão, übermensch.


O Anticristo, ou o Cristianismo como vício


O homem é responsável pela "morte de Deus" e do cristianismo. Nietzsche enxerga que esse acontecimento é um evento que liberta os homens da cadeia do sobrenatural que eles próprios haviam criado. 

Nietzsche passa pela história do cristianismo com seu olhar crítico e faz uma distinção importante entre Jesus Cristo e o cristianismo. Um ponto extremamente interessante e misterioso é que Nietzsche nutria profunda admiração por Jesus Cristo:

"Cristo não tinha mais necessidade de fórmulas, de ritos para comunicar-se com Deus, nem mesmo da prece. Acabou com toda doutrina judaica de penitência e reconciliação, sabe que somente com a prática da vida o homem se sente "divino", "abençoado", "evangélico", em qualquer momento um "filho de Deus." "Penitência', "oração" e "absolvição" não são o caminho para Deus: somente a prática evangélica conduz a Deus, ela é propriamente "Deus"! O que foi destronado do Evangelho foi o judaísmo dos conceitos de "pecado", "absolvição dos pecados", "fé", "redenção dos pecados", toda doutrina da igreja judaica foi negada na "boa nova".
 Friedrich Nietzsche, "O Anticristo - Maldição do Cristianismo"


 "[...]Apesar disso gostaria de saber o quanto, num balanço geral, devemos relevar num povo( judeu) que, não sem a culpa de todos nós, teve a mais sofrida história entre todos os povos, e ao qual devemos o mais nobre dos homens, Jesus Cristo[...]"
Friedrich Nietzsche, "Humano, demasiado humano" 



Para Nietzsche, Jesus era um espírito livre, e morreu para mostrar como se deve viver. Porém, com Cristo também morreu o seu evangelho, que foi transformado em "cristianismo", ou seja, em ódio e vingança contra tudo o que é nobre.

Nietzsche chama Paulo, que é o maior responsável pela difusão do cristianismo e de suas leis morais, de "o apóstolo da vingança". Um personagem que Nietzsche também admirava na bíblia era Poncio Pilatos, por compartilhar com ele o ceticismo em relação a verdade.

O que a maioria das pessoas desconhece sobre Lutero 
é que ele era um anti-semita convicto. 
Em seu livro, "Dos judeus e suas mentiras",
 Lutero defende que as sinagogas sejam 
queimadas e os judeus expulsos da Alemanha e da Europa. 
 Além disso, apoiou um massacre contra camponeses, 
que reivindicavam melhores condições de vida. 

Para Nietzsche, o cristianismo transforma em pecado tudo o que é força e prazer na Terra. É a construção e a vitória do RESSENTIMENTO.

Com a Renascença, o Sacrossanto Império Romano-Germânico viu a ascensão de Cesar Borgia ao poder na Igreja e com ele a transformação do que Lutero mais tarde considerou como a corrupção do cristianismo. Mas para Nietzsche, esse foi um pequeno momento de superação do verdadeiro pecado original: o cristianismo.

Porém, Lutero, a quem Nietzsche chama de " padre frustrado cheio de ódio e vingança dentro do peito" trouxe de volta o cristianismo com sua Reforma Protestante.





A Genealogia Da Moral


Nietzsche questiona o porque dos valores até então considerados "bons" e "maus" não tenham sido submetidos a dúvida e a uma análise mais profunda. Ao pesquisar e estudar toda a história da humanidade e da construção dos valores que regem a sociedade, Nietzsche identifica dois tipos de moral:


  • Moral dos Senhores: É uma moral construída afirmativamente com base na força, na saúde e no amor a vida

  • Moral dos Escravos: A moral dos escravos é baseada no RESSENTIMENTO  em relação aos senhores. É uma moral de negação do que foi construído pelos senhores. Não constrói nada, apenas nega a moral dos senhores. Eleva à categoria de bom comportamento o desinteresse, o sacrifício de si mesmo e a submissão

Para Nietzsche, a moral que predomina é a Moral dos Escravos, que torna o homem culpado e fraco.


Niilismo, "eterno retorno" e "amor fati"


O niilismo é um produto necessário do cristianismo, da moral dos escravos e da busca pela verdade na filosofia. Em primeiro lugar, o niilismo acontece quando se procura um sentido em todas as coisas, como por exemplo, o amor. Sentido esse que não existe. É apenas uma ilusão que desaparece com o passar do tempo.

Em segundo lugar, o cosmos, o universo, a vida não têm uma estrutura definida. Não há um começo. Não há uma finalidade na existência. O homem não caminha a lugar nenhum. No final, só há o abismo das trevas, do nada.


Porém, existe uma necessidade em todo homem. A necessidade da vontade. Vontade de aceitar a si próprio e de repetir-se. É o eterno retorno. Tudo o que acontece hoje, já aconteceu nas gerações passadas. As mesmas dúvidas, os mesmos medos, os mesmos amores...


A isso, Nietzsche vincula a doutrina do amor fati: Ame o necessário... Aceite-o e o ame!

O Super-Homem é o sentido da Terra


O amor fati é a aceitação do eterno retorno. Mas não é a aceitação do homem. A missão do homem é preparar o caminho para o super-homem, o além-homem. O Super-Homem irá criar o novo sentido da terra. Irá resgatar o espírito dionisíaco. Os seus valores são a saúde, a vontade forte, o amor, a embriaguez dionisíaca e um novo orgulho.

"O Homem é uma corda estendida sobre o abismo do nada. Atrás de si, a besta, e a sua frente, o super-homem"




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